Por Hanrrikson de Andrade (Opinião).
Em uma sociedade na qual o assistencialismo surge como solução para alguns de nossos “problemas históricos”, qualquer discussão sobre a legitimidade da meia-entrada passa, necessariamente, pelo choque entre grupos sociais definidos a partir de critérios socioeconômicos. Naturalmente, se há benefícios para os que, em tese, não têm condições de pagar um valor exorbitante num show ou sessão de cinema, por exemplo, quem está “do outro lado do ringue” reclamará da validade desse benefício – apontando para uma suposta inconstitucionalidade ou defendendo a ideia de que, na verdade, tudo não passa de politicagem com fins eleitoreiros. O mesmo aconteceria se os agentes sociais fossem trocados de lado, pois há, no preâmbulo da discussão inicial, um padrão de comportamento.
A única forma de progredir com o debate é analisar cada argumento individualmente, já fazendo uma projeção prática. A partir daí, focalizar a questão do dever social e não a lógica capitalista (contexto no qual estariam os produtores, distribuidores e organizadores de eventos culturais), porém respeitando os direitos elementares dos que investem na área. Antes de ser categorizado como “entretenimento”, qualquer evento cultural (seja na área musical, teatral, cinematográfica, entre outras) é um mecanismo de contribuição para o conhecimento coletivo. Sem público, não são estabelecidos laços culturais (perdendo sua “razão social”) e, consequentemente, esvazia-se o conceito de espetáculo. Portanto, é de extrema insensatez considerar “prejudicial” qualquer medida no sentido de fomentar a participação ativa do cidadão na construção de uma identidade cultural coletiva.
Em 2008, por exemplo, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) – o mesmo que luta pela lei de burocratização da internet, o que faria com que todos os usuários fossem obrigados a se cadastrar antes de qualquer operação na rede, como baixar músicas e filmes, criar blogs, participar de chats, entre outros – apresentou um projeto que proíbe a meia-entrada nos cinemas de quinta a domingo, além de feriados nacionais, estaduais e municipais, tanto para estudantes quanto para os idosos com mais de 60 anos. Ou seja, uma tentativa específica – que diz respeito exclusivamente à atividade cinematográfica – de limitar a Lei da Meia-entrada com viés de medida política para favorecer as empresas do ramo. O projeto sequer sugere uma reflexão sobre a inconstitucionalidade ou a majoração dos ingressos de quem não tem direito à meia-entrada. Provavelmente, seriam necessários dois ou mais senadores para a formulação de propostas igualmente específicos, uma para o teatro, outra para os eventos desportivos, uma terceira para as apresentações musicais e assim por diante.
Entretanto, vale a pena frisar que a Lei da Meia-entrada (clique aqui para ler o texto da Lei de acordo com o seu estado) precisa ser norteada pela ética, até mesmo para que não venha a cair no abismo da “politicagem” ou no âmbito da “inconstitucionalidade”. Ela não é um benefício, tampouco uma farsa, e sim um direito do cidadão que paga os seus impostos (e isso não diz respeito apenas aos eventos patrocinados com dinheiro público, pois todas as organizações da área cultural são, de certa forma, beneficiadas pela Lei Rouanet, nº 8.313. – veja na íntegra o que ela diz).
Dessa forma, o caminho é definir com transparência a porcentagem da arrecadação tributária equivalente à esfera política em questão (municipal ou estadual) que será utilizada para “cobrir” o benefício. Outra opção seria estabelecer isenções fiscais coerentes com o valor total aproximado referente à meia-entrada (que não pode ser vista como “perdido” e sim como “investido”). Com isso, pode-se chegar a um acordo sobre o preço dos ingressos – tanto para a meia-entrada quanto para o valor “cheio”, com uma cota de 50% para cada (e não de 30%, como defende o ministro da Cultura, Juca Ferreira). Afinal, se é uma obrigação política promover o acesso à cultura, a Lei da Meia-entrada é, decerto, um instrumento de acessibilidade.
Se os organizadores de eventos culturais passaram a majorar os valores dos ingressos com o intuito de recuperar o dinheiro “perdido” a partir do advento da meia-entrada, é evidentemente mais fácil culpar a Lei em si do que se propor a discutir o problema. A legislação não é responsável pela comercialização de carteirinhas de estudante, assim como não facilita a banalização da “falsidade ideológica”. Tais práticas, até hoje consideradas “irrefreáveis”, encontram terreno fértil na ausência de fiscalização (e isso diz respeito, principalmente, a quem vende) e na falta de transparência, de informações concretas a respeito da Lei, além da carência de uma campanha de conscientização. São apenas sintomas e, como em quase todos os assuntos que envolvem a necessidade de políticas “massivas”, a culpa decai sobre os indivíduos que necessitam deste suposto assistencialismo para frequentar o teatro, o cinema etc.
Além disso, a meia-entrada pode também ser usada como uma forma inteligente de incentivo à cidadania, como, por exemplo, contemplando os indivíduos que se cadastram como doadores de sangue. Tal iniciativa gerou resultados positivos no Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo e, se ampliada a nível nacional, certamente contribuiria ainda mais para o bem-estar social. Enfim, há uma série de possibilidades que ainda não foram consideradas nesta discussão sobre a legitimidade ou não da Lei da Meia-entrada, restrita a opiniões apocalípticas e contaminadas por mais um “jogo de interesses”.
SAIBA MAIS:
Em uma sociedade na qual o assistencialismo surge como solução para alguns de nossos “problemas históricos”, qualquer discussão sobre a legitimidade da meia-entrada passa, necessariamente, pelo choque entre grupos sociais definidos a partir de critérios socioeconômicos. Naturalmente, se há benefícios para os que, em tese, não têm condições de pagar um valor exorbitante num show ou sessão de cinema, por exemplo, quem está “do outro lado do ringue” reclamará da validade desse benefício – apontando para uma suposta inconstitucionalidade ou defendendo a ideia de que, na verdade, tudo não passa de politicagem com fins eleitoreiros. O mesmo aconteceria se os agentes sociais fossem trocados de lado, pois há, no preâmbulo da discussão inicial, um padrão de comportamento.
A única forma de progredir com o debate é analisar cada argumento individualmente, já fazendo uma projeção prática. A partir daí, focalizar a questão do dever social e não a lógica capitalista (contexto no qual estariam os produtores, distribuidores e organizadores de eventos culturais), porém respeitando os direitos elementares dos que investem na área. Antes de ser categorizado como “entretenimento”, qualquer evento cultural (seja na área musical, teatral, cinematográfica, entre outras) é um mecanismo de contribuição para o conhecimento coletivo. Sem público, não são estabelecidos laços culturais (perdendo sua “razão social”) e, consequentemente, esvazia-se o conceito de espetáculo. Portanto, é de extrema insensatez considerar “prejudicial” qualquer medida no sentido de fomentar a participação ativa do cidadão na construção de uma identidade cultural coletiva.
Em 2008, por exemplo, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) – o mesmo que luta pela lei de burocratização da internet, o que faria com que todos os usuários fossem obrigados a se cadastrar antes de qualquer operação na rede, como baixar músicas e filmes, criar blogs, participar de chats, entre outros – apresentou um projeto que proíbe a meia-entrada nos cinemas de quinta a domingo, além de feriados nacionais, estaduais e municipais, tanto para estudantes quanto para os idosos com mais de 60 anos. Ou seja, uma tentativa específica – que diz respeito exclusivamente à atividade cinematográfica – de limitar a Lei da Meia-entrada com viés de medida política para favorecer as empresas do ramo. O projeto sequer sugere uma reflexão sobre a inconstitucionalidade ou a majoração dos ingressos de quem não tem direito à meia-entrada. Provavelmente, seriam necessários dois ou mais senadores para a formulação de propostas igualmente específicos, uma para o teatro, outra para os eventos desportivos, uma terceira para as apresentações musicais e assim por diante.
Entretanto, vale a pena frisar que a Lei da Meia-entrada (clique aqui para ler o texto da Lei de acordo com o seu estado) precisa ser norteada pela ética, até mesmo para que não venha a cair no abismo da “politicagem” ou no âmbito da “inconstitucionalidade”. Ela não é um benefício, tampouco uma farsa, e sim um direito do cidadão que paga os seus impostos (e isso não diz respeito apenas aos eventos patrocinados com dinheiro público, pois todas as organizações da área cultural são, de certa forma, beneficiadas pela Lei Rouanet, nº 8.313. – veja na íntegra o que ela diz).
Dessa forma, o caminho é definir com transparência a porcentagem da arrecadação tributária equivalente à esfera política em questão (municipal ou estadual) que será utilizada para “cobrir” o benefício. Outra opção seria estabelecer isenções fiscais coerentes com o valor total aproximado referente à meia-entrada (que não pode ser vista como “perdido” e sim como “investido”). Com isso, pode-se chegar a um acordo sobre o preço dos ingressos – tanto para a meia-entrada quanto para o valor “cheio”, com uma cota de 50% para cada (e não de 30%, como defende o ministro da Cultura, Juca Ferreira). Afinal, se é uma obrigação política promover o acesso à cultura, a Lei da Meia-entrada é, decerto, um instrumento de acessibilidade.
Se os organizadores de eventos culturais passaram a majorar os valores dos ingressos com o intuito de recuperar o dinheiro “perdido” a partir do advento da meia-entrada, é evidentemente mais fácil culpar a Lei em si do que se propor a discutir o problema. A legislação não é responsável pela comercialização de carteirinhas de estudante, assim como não facilita a banalização da “falsidade ideológica”. Tais práticas, até hoje consideradas “irrefreáveis”, encontram terreno fértil na ausência de fiscalização (e isso diz respeito, principalmente, a quem vende) e na falta de transparência, de informações concretas a respeito da Lei, além da carência de uma campanha de conscientização. São apenas sintomas e, como em quase todos os assuntos que envolvem a necessidade de políticas “massivas”, a culpa decai sobre os indivíduos que necessitam deste suposto assistencialismo para frequentar o teatro, o cinema etc.
Além disso, a meia-entrada pode também ser usada como uma forma inteligente de incentivo à cidadania, como, por exemplo, contemplando os indivíduos que se cadastram como doadores de sangue. Tal iniciativa gerou resultados positivos no Paraná, Rio de Janeiro e Espírito Santo e, se ampliada a nível nacional, certamente contribuiria ainda mais para o bem-estar social. Enfim, há uma série de possibilidades que ainda não foram consideradas nesta discussão sobre a legitimidade ou não da Lei da Meia-entrada, restrita a opiniões apocalípticas e contaminadas por mais um “jogo de interesses”.
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ENQUETE
Você acredita que, com o fim da meia-entrada, ocorrerá uma radical queda de público nos eventos relacionados à cultura? Vote aqui:
( ) SIM. Os estudantes e idosos com mais de 60 anos são uma parcela considerável do público total que tem por hábito prestigiar eventos culturais.
( ) NÃO. O público não vai diminuir, já que as pessoas que têm por hábito comparecer a eventos culturais são fiéis, independentemente da meia-entrada.
FÓRUM
FÓRUM
Muitas pessoas acreditam que o possível fim da meia-entrada em eventos culturais é o reflexo da influência que as empresas da área têm sobre os políticos, principalmente em Brasília. E você, acredita que toda essa discussão gira mesmo em torno de um "jogo de interesses"? Dê a sua opinião!
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